(Imagem: Francisco Habermann/Reprodução)

Quem foi Prof. Dr. Mário Montenegro, homenageado pela FMB que completaria 100 anos hoje

A Faculdade de Medicina de Botucatu (FMB), vinculada à UNESP, anunciou na última semana a criação do Prêmio “Prof. Mário Rubens Guimarães Montenegro”, a ser concedido anualmente aos docentes que mais se destaquem em atividades de ensino, pesquisa, extensão e/ou gestão no período. A motivação para a concepção do prêmio foi o centenário de nascimento do Prof. Montenegro, a ser comemorado nesta sexta (10).

O docente que dá nome ao prêmio graduou-se em 1946, aos 23 anos, pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Logo após sua formatura, ingressou como assistente no Departamento de Anatomia Patológica dessa instituição, área da medicina que o tornaria célebre posteriormente.

Em 1954, Dr. Montenegro foi agraciado com uma bolsa de estudos nos Estados Unidos,  onde trabalhou por quase dois anos no Departamento de Patologia do Hospital Peter Bent Brigham, da Universidade de Harvard. Sua grande competência, associada às qualidades pessoais, fez com que ele, em seis meses, deixasse de exercer naquela instituição atividades de médico residente e fosse promovido a assistente do departamento.

Ao lado das atividades rotineiras, foi incluído em um dos grupos mais importantes e pioneiros em nefropatologia, que à época trabalhava com o modelo animal da doença do soro em coelhos, estudando e reproduzindo nefropatias experimentais, que contribuíram de maneira definitiva para a compreensão patogenética daquelas similares ocorridas no ser humano.

De volta ao Brasil, sua atividade científica prosseguia com repercussões no exterior. Montenegro começou a participar de estudos internacionais sobre a arteriosclerose, os quais propiciaram a ele uma série de viagens e trabalhos extremamente importantes de cunho epidemiológico, muitos deles citados na literatura e fazendo parte de obras da época. 

A partir desses conhecimentos surgiu sua tese de livre-docência no Departamento de Anatomia Patológica da FMUSP. Nessa época, nadou contra a corrente na luta pela introdução e valorização das biópsias por agulha, particularmente as de fígado, como um importante instrumento diagnóstico.

Dr. Thales de Brito, um dos discípulos do Prof. Montenegro, recorda sua convivência com o mestre: “Trabalhei com ele por mais de dez anos, na mesma sala, em tempo integral, sem nunca termos tido uma desavença. Nós nos completávamos em vários aspectos: eu, pessimista, e, ele, um otimista, que assim permaneceu durante toda a vida (…) aprendi com ele os passos fundamentais da especialidade e considero-me uma pessoa de muita sorte, pois recebi ensinamentos de uma pessoa honesta e ética, de conduta profissional reta e dedicado ao trabalho”.

Bem-vindo a Botucatu

Montenegro desligou-se do departamento em 1962, quando transferiu-se para o cargo de diretor da nascente Faculdade de Ciências Médicas e Biológicas de Botucatu (FCMBB), a qual foi um dos fundadores, mais tarde denominada de Faculdade de Medicina de Botucatu (FMB) e incorporada à Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp).

Nessa instituição, além de investigador, demonstrou outra faceta importante de sua personalidade: a de administrador. Como diretor da faculdade, Montenegro implantou um modelo de ensino que priorizava a qualidade, levando em conta princípios que considerava imprescindíveis como a disponibilidade em tempo integral dos docentes.

Em entrevista realizada em 2001, Dr. Montenegro apontou a batalha para a fundação da FCMBB. “No princípio lutou-se com enormes dificuldades, porque [a FCMBB] foi criada por razões políticas e os políticos que a criaram perderam o poder, assumiram políticos que tinham muito pouco interesse por ela e foi muito difícil fazer que ela saísse do chão. Creio que todo mundo sabe, foram os alunos da Faculdade que desempenharam um papel muito bom, muito grande nesta saída da Faculdade daquela situação precária em que estava, para se transformar numa instituição de bom nível”.

A professora da disciplina de Nefrologia da FCMBB, Dra. Dinah Borges de Almeida, ressalta sua importância na fundação da Faculdade de Medicina de Botucatu: “Montenegro foi fundamental para o curso de Medicina da Unesp, buscou professores e montou a estrutura física adequada, pois quando a faculdade foi fundada ficava em um prédio vazio que havia sido construído para sediar o Hospital de Tuberculose; à medida que a faculdade se desenvolveu e solidificou, o professor pôde se dedicar mais à sua área, a Patologia, transformando a faculdade de Botucatu em um pólo do ensino dessa disciplina”.

No início, um pequeno grupo de patologistas começou, sob condução a Montenegro, a partir do quase nada, a edificar aquele que viria a ser um departamento de patologia que exerceu grande influência na história da especialidade no Brasil. Entre os médicos pioneiros atraídos para montar o departamento de patologia da FCMBB estava o Dr. Marcello Fabiano de Franco, que lembra o início do trabalho.

“Começamos praticamente do nada a construir aquele que viria a ser um Departamento de Patologia que exerceu grande influência na história da especialidade no Brasil. Sob a visão e estímulo do mestre, tivemos todas as oportunidades para crescermos nas três áreas de atuação acadêmica: docência, assistência e pesquisa. Assim foi possível construir um departamento moderno, contemporâneo, que aglutinou e formou numerosos professores, anatomopatologistas e pesquisadores, hoje espalhados em vários centros médicos país afora”.

O último legado acadêmico de Montenegro foi a fundação do curso de pós-graduação em Patologia, que trouxe um novo vigor à pesquisa na instituição, pois agregava um grupo de pesquisadores não-médicos, ressaltando assim a importância da interdisciplinaridade na pesquisa em patologia com profissionais de diferentes formações.

Aposentou-se como professor emérito relativamente cedo, a fim que sua vaga pudesse ser ocupada por uma jovem patologista do grupo. Porém, mesmo após a sua aposentadoria, continuou trabalhando normalmente, participando da rotina das reuniões de autópsia e como consultor em patologia do sistema nervoso central.

Mário Rubens Guimarães Montenegro faleceu no dia 11 de fevereiro de 2005, aos 82 anos, deixando uma grande lacuna na comunidade médica paulista, particularmente na cidade de Botucatu. Seu corpo foi velado por amigos, docentes, alunos e servidores da instituição no Anfiteatro do Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina da Unesp, sendo conduzido, no início da noite, ao Crematório de Vila Alpina, na capital paulista.

Como prêmio por sua atuação junto à população de Botucatu recebeu o título de Cidadão Botucatuense. Deixou a viúva Edy de Lello Montenegro, sua segunda esposa; os filhos Roberto, Álvaro e Renata, e os netos Érica, Silvana, Roberto e Karina. Edy, além das boas recordações, guarda na memória uma das últimas frases que ouviu de seu marido: “Estou morrendo, mas morro feliz porque de tudo o que fiz nessa vida não tenho nada do que me envergonhar”.

Apoie a mídia independente de Botucatu. Com R$5 por mês você já ajuda a quebrar a hegemonia de informação na nossa cidade. Apoie o Jornal Audácia através da campanha de financiamento coletivo.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *