(Imagem: Reprodução/Mensageiro de Santo Antônio)

Há 60 anos, as mudanças do Concílio Vaticano II atingiam a Arquidiocese de Botucatu

O Concílio Vaticano II, convocado e inaugurado por São João XXIII, completa 60 anos de abertura neste ano. Iniciado em outubro de 1962, o concílio estendeu-se até 8 de dezembro de 1965, já no papado de São Paulo VI. O aggiornamento (“atualização”) acerca dos vários temas da Igreja abordados pelos padres conciliares deixou como legado não apenas importantes e atuais documentos, mas também um novo modo de ser Igreja.

Por se tratar de um concílio ecumênico, a conferência reuniu bispos de todo o mundo para discutir as ações pastorais da Igreja. Dentre eles estava Dom Henrique Golland Trindade, arcebispo de Botucatu, que trouxe os documentos conciliares ao retornar à nossa diocese. Segundo o monsenhor Edmílson José Zanin, autor do artigo O plano de pastoral de conjunto no Brasil e a recepção do Concílio Vaticano II na Igreja Particular de Botucatu, a arquidiocese recebeu as mudanças do CVII “com grande entusiasmo”.

“A Igreja Particular de Botucatu recebeu com grande entusiasmo as decisões do Concílio Vaticano II e tinha condições suficientes para promover as mudanças que o Concílio sugeriu, uma vez que desde a década de 50 a Igreja de Botucatu assistia um rápido processo de mudança interna” promovida por Golland, que já concedia uma certa liberdade à ação do clero e dos leigos, segundo conta o sacerdote.

Num primeiro momento, Dom Frei Henrique procurou manter dentro da Arquidiocese o espírito de renovação do Concílio Vaticano II, indicando ao seu clero o modelo de Igreja que gostaria que fosse adotado na Arquidiocese. “Ou seja, uma Igreja engajada com os movimentos populares, tendo como destinatário os pobres e humilhados da terra”, diz Edmilson.

A “Igreja dos pobres” foi muito discutida pelo CVII, onde se refletiu sobre a relação entre os pobres e o mistério de Cristo e da Igreja. Durante suas sessões, Golland se destacou por defender a pobreza da igreja, segundo apontam documentos da época: “Que a Igreja desça dos tronos, dos lugares eminentes, sem ornatos verdadeiros ou aparentes e possa dialogar com todos com aparências mais humanas e mais evangélicas”, disse o bispo.

O monsenhor ainda aponta que as mudanças começaram nas atividades pastorais da Arquidiocese. “Com o dinamismo dos padres, especialmente os mais jovens, criou-se um ritmo de modernização: replanejou-se a catequese, reorganizou-se a Campanha da Fraternidade e o clero começou a se reunir com mais frequência para realizar reuniões de estudos e atualizações sobre o Concílio Vaticano II. E assim foi crescendo cada vez mais o espírito de cooperação entre o clero da Arquidiocese, inclusive entre padres jovens e de mais idade”.

A parcela jovem do clero, inclusive, se identificava com o novo modelo de Igreja apresentado pelo Concílio Vaticano II, conforme aponta Zanin. “Uma Igreja enquanto ‘Povo de Deus’, uma Igreja dinâmica, participativa em que o leigo pudesse assumir o seu lugar e a sua missão”. Assim, a pastoral começou a deslanchar na Arquidiocese à luz das orientações do Concílio, especialmente no que dizia respeito ao protagonismo leigo, que começava a sentir-se corresponsável pela missão de evangelizar.

Desta forma, este modo de ser Igreja começou a tomar corpo na Arquidiocese de Botucatu, mas não sem causar alguns conflitos diante da opção pastoral do clero por uma Igreja que, fiel ao Evangelho, tivesse uma presença transformadora na sociedade, no meio operário, estudantil e agrário. Um clero que, apesar das dificuldades e das crises, buscou colocar em prática na pastoral de suas paróquias as decisões do Concílio; “e isto, o clero de Botucatu fez, e o fez muito bem”, disse o monsenhor.

No entanto, logo as divergências entre o clero e o Arcebispo ficariam evidentes. “Quando o Arcebispo se deu conta de que a pregação evangélica voltada para os pobres e pequenos, aquilo que ele próprio sempre havia defendido, radicalizou-se em confronto de classe, começou a intervir para tentar retomar o controle da administração da Arquidiocese. Os limites admitidos por Dom Frei Henrique se encerravam num discurso reformista e o clero desejava uma pastoral politicamente engajada, popular, que levasse à transformação da estrutura da Igreja bem como da vida social“, conta Edmilson.

“Esse era o modelo de Igreja sonhado pela maioria dos padres jovens e que gerou tanto conflito: uma Igreja que não tivesse medo de lutar contra a opressão e a dominação que imperava no país. Uma Igreja que fosse sinônimo de Povo de Deus, uma Igreja que santifica, mas que também promove este mesmo povo, tão marginalizado e excluído, uma Igreja onde ao leigo fosse possível assumir, sem medo, atividades pastorais até então sob a responsabilidade só dos padres”, aponta o sacerdote.

Assim, os turbulentos anos pós-Concílio foram vividos com intensidade, não só pelo clero, mas também pelas comunidades eclesiais da Arquidiocese de Botucatu. “Uma experiência fascinante de participação nas transformações da visão da Igreja sobre si e sobre o mundo”, conclui o monsenhor Edmilson José Zanin.

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