(Foto: III Jornada Universitária em Defesa da Reforma Agrária/PUC Rio)

Há 55 anos, documento da ditadura apontava que lavradores de Botucatu apoiavam a reforma agrária

No ano de 1964, pouco antes do golpe militar, um dos maiores debates no Senado brasileiro era a reforma agrária, sendo umas das maiores bandeiras levantadas pelo então presidente João Goulart.

O Brasil contava com uma população de 79,8 milhões de pessoas, sendo a população rural mais de 33 milhões. Porém, a produção agrícola não chegava a atender plenamente ao mercado interno e o latifúndio fazia parte da paisagem na maior parte do país, a massa de trabalhadores rurais era mal remunerada e vivia em condições precárias e sob essa ótica, crescia o clamor por reforma agrária.

“O único objetivo é desapropriar o latifúndio improdutivo”, argumentava no Plenário o então senador Arthur Virgílio (AM), líder do PTB, partido de Jango, tranquilizando os fazendeiros que estivessem trabalhando e produzindo. “Mas uma atitude que não encontrará meios de recuar é a de alcançar essas terras que não merecem respeito, que são esse latifúndio nocivo ao país, que é motivo de atraso à nação. O latifúndio antissocial, o latifúndio anti-humano”, afirmou.

A proposta de Jango estava atrelada a uma mudança constitucional que permitiria a desapropriação de terras com pagamento a longo prazo, na forma de títulos da dívida agrária. Mas deputados e senadores derrotaram o governo e mantiveram a norma segundo a qual as desapropriações para fins de reforma agrária seriam efetuadas mediante pagamento antecipado, em dinheiro. O que, na prática, inviabilizava um amplo programa de reforma agrária, dado o alto custo, já que pequenos proprietários não conseguiriam pagar essa alta quantia, o que continuaria beneficiando os grandes latifundiários.

Jango buscou apoio popular, e no dia 13 de março de 1964, no “Comício das Reformas”, na Central do Brasil, no Rio de Janeiro, anunciou em discurso para 200 mil pessoas a desapropriação de terras às margens de rodovias, ferrovias, açudes públicos federais e as beneficiadas por obras de saneamento da União.

No Congresso, o clima esquentou ainda mais, encarando o comício como sinal de que o governo partiria para o confronto. “Se por trás do presidente da República estão elementos conturbadores, provocadores e agitadores, que pretendem levar o presidente da República à campanha de descrédito do Congresso, tudo isso excede os limites, atenta contra o regime, põe em risco o regime democrático, como se fosse um plano inclinado, no qual, após meio caminho, ninguém pode retornar”, discursou no dia 17 de março de 1964 o então senador João Agripino, da UDN da Paraíba.

“O presidente da República violou a Constituição federal. O presidente da República violou a lei”, bradou no dia 18 o senador Daniel Krieger, da UDN do Rio Grande do Sul, sob o argumento de que Jango fizera um comício em área não permitida pelo então governo da Guanabara.

Do outro lado, o senador Arthur Virgílio tentava usar todo seu apoio para defender o presidente, a proposta do governo e o então deputado gaúcho Leonel Brizola (1922-2004), tachado pelos udenistas de “subversivo”. Arthur Virgílio acusava a UDN de pregar contra a democracia. Mas o caminho do golpe de Estado já estava traçado.

Três anos após o golpe militar de 1964, um documento produzido pelo Instituto Brasileiro de Reforma Agrária (IBRA) em 1967 apontava a opinião dos lavradores botucatuenses frente à polêmica questão da redistribuição fundiária.

No arquivo disponível no Acervo Nacional, proprietários de pequenas terras opinaram a favor de uma redistribuição das terras no Brasil. Diz o documento: “A cidade representa, a um só tempo, a mudança desejada e o risco de se quebrar a tradição. Representa o progresso e a origem da falta de preços para os produtos da terra. A cidade desperta o desejo no agricultor, de contribuir para os interesses nacionais, mas lhe sonega a orientação técnica que indique como produzir e como vender melhor. Os proprietários, em sua grande maioria, consideram a produção agrícola um setor em que cada vez menos o esforço do trabalho encontra a recompensa econômica esperada. Os proprietários e os trabalhadores se sentem cada vez mais atraídos pela cidade porque a terra cada vez rende menos aos que nela trabalham.”

Alguns donos de terras em Botucatu relataram seus sentimentos e protestos sobre a reforma agrária e também suas soluções:

“Não se tem nenhum conforto que mereça o sacrifício de morar na terra: não há lucros, só prejuízos”

“Se todo mundo planta, deve haver fartura para todos nós e sobraria para poder exportar para trazer mais dinheiro para o Brasil”

“Se fosse Ministro da Agricultura, melhoraria os empréstimos”

“Se eu fosse Presidente da República, daria máquinas através das Casas da Lavoura”.

“A culpa é da Secretaria da Agricultura e do Governo que deviam obrigar a produzirem máquinas mais resistentes e mais baratas”.

“Reforma agrária deve ser o Governo desapropriar as terras boas que não estão plantadas e vender, baratas, para quem quer plantar, cobrando com aquilo que o sujeito for plantando”.

Desde então, a reforma agrária passaria a ser discutida apenas em 1988, com a promulgação da Constituição Cidadã, que se compromete a realizar a desapropriação de áreas rurais improdutivas: “Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social”. O órgão responsável pela realização dessa prática seria o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), que já existia desde 1970.

No entanto, o dispositivo legal tornou-se na prática letra morta na cidade de Botucatu e em todo o Brasil, dado que não se vê esta lei sendo aplicada para redistribuir propriedades rurais ociosas. Para lutar por seu cumprimento, foi criado em 1984 o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), nascido para unificar a luta de quem desejava encontrar uma terra para produzir e ganhar a vida de forma honesta e independente.

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