(Foto: Correio do Cidadão/Reprodução)

Há 30 anos, os ‘caras-pintadas’ ganhavam as ruas de Botucatu

Os “caras-pintadas”, denominação dada aos jovens e estudantes que se reuniram em manifestações públicas durante o processo de impeachment do presidente Fernando Collor em agosto e setembro de 1992 em diversas cidades do Brasil, tomaram as ruas também em Botucatu, há trinta anos.

A principal característica desse movimento, que lhe deu o nome, foi o uso das cores preto, verde e amarelo pintadas nos rostos de todos que foram para as ruas pedir o impeachment do presidente e a prisão do empresário Paulo César Farias – tesoureiro da campanha eleitoral e principal articulador do esquema de corrupção montado no governo.

André Guerra, um dos participantes do movimento à época, aponta que Botucatu foi uma das últimas cidades a aderirem aos protestos que já tomavam conta do país. “Isso estava bombando na época e o pessoal da faculdade, junto com outros, resolveram também fazer uma manifestação dos caras-pintadas”, lembra.

Por conta disso, os estudantes já conheciam as reivindicações do movimento, especialmente pela massiva cobertura da imprensa na época. “Eu ajudei no dia, convencendo diretores do Anglo, onde eu estudava, Dom Lúcio, La Salle e Industrial a liberar alunos para participar e conduzir estes até a Catedral, onde os alunos da Unesp aguardavam para juntos levarmos o pessoal até a rua Amando”, conta André.

Apesar do engajamento dos alunos, não foi tarefa fácil convencer as escolas a liberarem seus estudantes. “Os alunos do Anglo foram um pouquinho mais difíceis, porque era o pessoal de cursinho e colegial que não queriam perder aula. Convencer os diretores foi um pouquinho mais difícil, pela responsabilidade de liberar, tanto que liberaram apenas o pessoal mais velho”.

Ainda que contasse com a participação de diversos candidatos Brasil afora, era importante que as manifestações não se caracterizassem como apoio a nenhum político ou partido específicos. “Quando chegamos no Paratodos, tinha mais estudantes da Unesp, políticos e a juventude do PC do B, PT, PMDB. Convenci os organizadores a pedir para baixarem as bandeiras partidárias no início do comício que foi feito, porque a coisa toda deveria ser apartidária e de fato foi”, lembra.

Em Botucatu, no entanto, foram poucos os que se aventuraram a colorirem seus rostos com as cores da bandeira nacional, segundo o contador. ”Poucos pintaram a cara aqui. O massivo mesmo é condição de gado, né? A gente vai lá pela festa e por tudo isso. A maioria foi pelo oba-oba, não pela questão política ou pelo que se pedia em si, mas porque estava liberada de aula”, recorda.

Impeachment de Collor x Impeachment de Dilma

Dr. Valdemar Pinho, ex-vice-prefeito de Botucatu e histórico militante do Partido dos Trabalhadores na cidade, enxerga semelhanças e diferenças entre as manifestações pelo impeachment de Collor, em 1992, e as manifestações pelo impeachment de Dilma Rousseff, em 2016.

“Há semelhanças no início das manifestações de 2013, que podem ser consideradas como um preâmbulo do que muitos consideram golpe de 2016. Tudo começou com o “Movimento Passe Livre” – MPL – mobilizando os estudantes contra o aumento de 20 centavos nas passagens de ônibus e metrô de São Paulo. O MPL era um movimento de esquerda radical com representatividade limitada a uma parcela mais ideológica dos jovens. A partir das manifestações em São Paulo, esse movimento se espalhou rapidamente para quase todas as capitais e cidades grandes do país. A maioria da imprensa foi bastante crítica a ele no início”, diz o médico.

No entanto, ao passar do tempo, os protestos passaram a mudar suas pautas. “A partir de certo momento, o movimento foi ‘tomado’ por grupos como o ‘Movimento Brasil Livre’ – MBL – e o ‘Vem Pra Rua’, financiados por think tanks de direita. Sobre isso há vários artigos que podem ser pesquisados. Foram esses e outros grupos semelhantes que coordenaram as manifestações pró-impeachment da Dilma, já com grande infraestrutura, bem organizados e financiados por entidades empresariais. Nas manifestações que antecederam ao impeachment da Dilma já não há mais o predomínio de estudantes. Pela sua composição e organização considero que não tem semelhanças com os ‘caras-pintadas’, embora também costumassem pintar a cara”, avalia o docente aposentado da UNESP de Botucatu.

Quanto aos processos de impeachment, as diferenças se tornam ainda mais aparentes. “O impeachment de Collor teve base material para a acusação, ou seja, a comprovação de atos de corrupção, embora a ‘decisão política’ tenha sido fundamental, senão a principal. Embora fosse um movimento não partidário, tinha uma conotação majoritária de esquerda. No impeachment de Dilma não houve acusação de corrupção e a acusação das ‘pedaladas fiscais’ como ‘crime de responsabilidade’ foi um pretexto utilizado para uma decisão exclusivamente política, majoritariamente coordenado pela direita”, completa Pinho.

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