(Foto: Divulgação/Sérgio Santa Rosa)

Docente da Unesp de Botucatu recebe prêmio dedicado a mulheres que contribuíram com a universidade

“A reprodução animal é o mundo dos homens” é a forma como Eunice Oba define a área de pesquisa a que se dedicou nos últimos 48 anos. Hoje, a trajetória desta professora da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ) de Botucatu, embasada por sua postura de perseverança, comprometimento e pioneirismo que lhe permitiu cruzar desafios e provações neste reduto essencialmente masculino, está sendo celebrada: a docente recebeu a Medalha Heleieth Saffioti, concedida em reconhecimento a mulheres notáveis que contribuíram para o desenvolvimento da Unesp. 

A cerimônia de premiação “Medalha Heleieth Saffioti” ocorreu na cidade de São Paulo. Esta é a segunda edição do prêmio, cuja entrega é realizada no Dia Internacional das Mulheres. Em 2023, foram indicadas 23 mulheres, de diferentes unidades universitárias, e a escolha da professora Eunice Oba foi feita por uma comissão com pesquisadoras de outras universidades públicas do país. 

“O seu pioneirismo na inseminação animal, ainda na década de 70, área até então pouco desenvolvida no país, contribuiu de forma determinante para a projeção do nome da Universidade em vários cenários de desenvolvimento econômico e, certamente, social (…) A professora se inseriu em um ambiente predominantemente masculino, mudando paradigmas. Sua trajetória é inspiradora e continuará estimulando as mulheres da comunidade unespiana e projetando o papel da mulher no desenvolvimento do país”, afirmam as pesquisadoras da comissão avaliadora na justificativa da premiação.

Os antigos imigrantes japoneses costumavam dizer que mulher não precisava estudar. Mas a família de Eunice, formada por agropecuaristas de Mirandópolis (SP) filhos de imigrantes japoneses, não fazia coro à narrativa patriarcal e a incentivava para que continuasse seus estudos. Carregando uma marmita na sacola, enfrentava diariamente uma caminhada de 7 km para chegar à escola primária, tamanha era sua vontade de seguir estudando.

Depois do colegial, sem o conhecimento dos pais, Eunice prestou o vestibular para o curso de medicina veterinária. Em uma viagem de férias a Vila Velha, no Espírito Santo, descobriu sua aprovação na Faculdade de Ciências Médicas e Biológicas de Botucatu, unidade precursora do que se tornaria o câmpus de Botucatu da Unesp. Em 1970, com o apoio da família, ingressou em veterinária e decidiu seguir na área de reprodução animal – que à época, além de pouco desenvolvida no país, era uma área predominantemente masculina. 

No ambiente acadêmico, a jovem médica veterinária enfrentou o machismo e o menosprezo de seus colegas residentes. Ela relembra a recusa de um professor quando prestou um concurso em Jaboticabal: “Aqui mulher não entra”, disse o docente na época. Hoje, aos 71 anos, com uma expressão divertida no rosto, Eunice Oba lembra a resposta certeira que deu naquele momento. “O senhor ainda vai se arrepender de não contratar uma mulher.”

Na cidade de Botucatu, a reprodução animal é voltada para os cuidados com grandes animais, como o rebanho bovino, por exemplo. Sob o olhar de muitos homens, a docente provou inúmeras vezes sua capacidade de fazer o parto de vacas, demonstrando como a força física não é impedimento para a presença feminina na área. A competência e a perseverança permitiram que adquirisse experiência prática e pudesse ministrar aulas. 

“Não é o fato de você ser mulher. É ter jeito para o trabalho. Não precisa ter força física para trabalhar, a gente pede ajuda. Eu calçava as botas e o macacão e os peões sempre olhavam e diziam ‘ela não vai conseguir, é muito pequena e frágil’. Eu sempre consegui e dei minha assistência”, comenta a professora da FMVZ-Unesp, que recentemente assumiu a chefia do Departamento de Cirurgia Veterinária e Reprodução Animal.

Em sua trajetória na Unesp, Eunice Oba já esteve na chefia do departamento, outrora chamado de Reprodução Animal e Radiologia Veterinária. Na posição de coordenadora da pós-graduação da medicina veterinária, dedicou-se a elevar o conceito do programa na Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior). Mesmo com um trabalho excepcional, relata a contrariedade de colegas que não compreendiam os seus métodos rigorosos. Porém, não deu outra: depois de 14 anos, o programa subiu de conceito na Capes.

Apesar das resistências que surgiram no decorrer dos anos, a professora conta que sempre se manteve firme em suas escolhas profissionais. Não desistir, era o conselho dado por seu pai. Além de se tornar chefe de departamento, tomou a iniciativa de propor a criação de um programa de pós-graduação em Biotecnologia Animal, hoje consolidado como um dos programas de excelência da Universidade, e se elegeu diretora da unidade universitária por um mandato de quatro anos, iniciado em 1997. Entre os 11 diretores da história da FMVZ-Unesp, foi até agora a única mulher a ocupar o posto. Na perspectiva da docente, o machismo ainda está presente na área. Contudo, além de abrir portas, a trajetória de Eunice Oba renova a mensagem de persistência que sempre ouviu de seu pai. Ao saber do reconhecimento conferido pela Medalha Heleieth Saffioti, a docente o compartilhou com as demais unespianas. 

“Fiquei emocionada. Quando recebi o e-mail, perguntei ‘É verdade isso?’, até me arrepiou. É uma felicidade ímpar e o melhor presente que eu tive. Outras professoras concorreram e são merecedoras. Eu homenageio e parabenizo todas as mulheres deste país”, diz Eunice. A Medalha Heleieth Saffioti leva o nome da socióloga pioneira nos estudos de gênero no país e uma das mais importantes pensadoras feministas brasileiras do século passado. Heleieth Saffioti (1934-2010) foi docente na Faculdade de Ciências e Letras (FCLAr) do câmpus de Araraquara da Unesp e ajudou a criar o curso de Ciências Sociais.

com informações do Jornal da UNESP

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