Historicamente baseado na tradição e na experiência, o processo de decisão do produtor rural vem sendo transformado nos últimos anos por inovações tecnológicas, buscando escala de produção e soluções para desafios provocados por pragas, limitações naturais de plantios e até impactos das mudanças climáticas.
Uma técnica desenvolvida por pesquisadores da UNESP de Botucatu pode agora ajudar a selecionar sementes de leguminosas de acordo com as fases de maturação, garantindo qualidade fisiológica sem destruir as amostras.
Os cientistas usaram luz e inteligência artificial, demonstrando que a fluorescência das clorofilas é um método eficaz e confiável para apontar o nível de maturidade das sementes de soja. O resultado, validado por meio de algoritmos computacionais, gerou uma nova técnica que pode ser usada na triagem de lotes comerciais da semente.
Quanto mais imaturas forem as sementes, identificadas pela cor esverdeada, menor o vigor e o poder de germinar, reduzindo a qualidade. Por isso, lotes com mais de 8% de sementes de soja esverdeadas estão sujeitos a um menor valor no mercado e não podem ser destinados à exportação. Quando usados na produção de óleo, os grãos verdes podem gerar quantidade menor do produto, com mais acidez e maior custo para o refino.
Atualmente, o processo de análise de qualidade das sementes, exigido por lei, é feito manualmente por um técnico credenciado pelo Ministério da Agricultura. A separação visual é realizada pela cor – as verdes são descartadas. Nesta avaliação, a semente é destruída, gerando resíduos.
“Considero o trabalho um marco temporal. Até então, outros estudos na literatura não mostravam a separação dos estágios da semente de acordo com a fluorescência das clorofilas. Isso pode ser aplicado não só para a soja, como para várias outras leguminosas. É um avanço sólido no conhecimento científico”, avalia Thiago Barbosa Batista, primeiro autor do artigo publicado na revista científica Frontiers in Plant Science.
O trabalho é parte da tese de doutorado de Batista, desenvolvida com apoio da FAPESP sob a supervisão do professor Edvaldo Aparecido Amaral da Silva, da Faculdade de Ciências Agrárias da Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de Botucatu.
“Quando começamos nosso grupo temático, havia a demanda de fenotipagem de vários tipos de sementes. Trabalhamos com retenção de clorofila e sua associação à baixa qualidade. Nos deparamos com a necessidade de detalhar as fases de desenvolvimento das sementes. O resultado desse estudo dá uma segurança maior para a caracterização da maturidade da semente quando visualmente os tons esverdeados são parecidos, principalmente em estádios próximos”, afirma Amaral da Silva, que coordena um projeto sobre o tema.
A pesquisa foi realizada em parceria com a pesquisadora do Laboratório de Radiobiologia e Ambiente no Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena), da Universidade de São Paulo (USP), Clíssia Barboza da Silva. “Com essa técnica, a semente não é destruída. Fazemos a classificação automática por meio do algoritmo de inteligência artificial. Atualmente usamos amostragem, mas no futuro poderá ser feito semente por semente”, explica Barboza da Silva.
A pesquisadora vem há alguns anos trabalhando com análises de sementes usando tecnologias baseadas em luz, entre elas imagens de autofluorescência espectral. Em setembro do ano passado, um estudo liderado por ela mostrou que imagens baseadas em autofluorescência podem ser usadas para verificar modificações nas propriedades ópticas de tecidos de sementes de soja e discriminar consistentemente as de alto e baixo vigor. O artigo foi publicado na Scientific Reports.
A técnica
Os pesquisadores cultivaram amostras de sementes de soja em vasos, mantendo a umidade relativa do ar em 65% e a temperatura média em 24,2°C. Durante a fase de maturação, as vagens foram coletadas manualmente, e as sementes classificadas de acordo com seus estágios reprodutivos. São eles: R7.1 (início de maturação), R7.2 (maturidade de massa), R7.3 (semente desconectada da planta mãe), R8 (ponto de colheita) e R9 (maturidade final).
Paralelamente, os cientistas investigaram parâmetros físicos, germinação, vigor e dinâmica de pigmentos das sementes nos diferentes estádios de maturação.
Por meio do equipamento VideometerLab4, foram capturadas imagens espectrais de autofluorescência de alta resolução (2.192 x 2.192 pixels) usando diodos emissores de luz em diferentes comprimentos de onda combinados com filtros ópticos (passagem longa).
Foram aplicadas diferentes combinações de excitação/emissão de clorofila, mas os pesquisadores concluíram que as de 405/600 e 660/700 nanômetros são as que fornecem resultados mais rápidos e precisos na identificação da maturidade da semente.
A clorofila é altamente fluorescente, com capacidade de emitir luz quando exposta a radiações com comprimentos de onda específicos. Isso ocorre porque a energia proveniente da luz que incide na amostra não é totalmente aproveitada, sendo uma parte perdida por fluorescência.
Essa “sobra” é capturada pelo equipamento, que a converte num sinal elétrico, gerando uma imagem cujos pixels em tons de cinza variam do branco ao preto. Os tons mais brancos indicam que as sementes têm maior quantidade de clorofila, apontando que está mais imatura.
Normalmente, as sementes maduras retêm clorofila para gerar energia durante o processo de armazenamento de nutrientes (lipídios, proteínas e carboidratos), importantes para o desenvolvimento da planta jovem. Após cumprir essa função, a clorofila se degrada – quanto menos clorofila residual, mais avançada a semente está no processo de maturação, com mais nutrientes e qualidade.
Chamado de “problema da semente verde”, o esverdeamento que pode estar relacionado à imaturidade da semente é provocado principalmente por altas temperaturas e estresse hídrico, intensificados nos últimos anos pelas mudanças climáticas.
O artigo A Reliable Method to Recognize Soybean Seed Maturation Stages Based on Autofluorescence-Spectral Imaging Combined with Machine Learning Algorithms pode ser lido por este link.
por Luciana Constantino | Agência FAPESP