Há cinquenta anos, em 6 de novembro de 1974, morria o bispo Dom Henrique Golland Trindade. O sacerdote comandou a diocese de Botucatu por vinte anos, entre 1948 e 1968. Ele foi o seu primeiro arcebispo, quando a diocese foi elevada a arquidiocese, em 1958. Saiba mais sobre sua história na matéria abaixo, baseada no artigo Dom Frei Henrique Golland Trindade e a recepção do Vaticano II na Arquidiocese de Botucatu, de autoria dos pesquisadores Ney de Souza e Reuberson Rodrigues Ferreira.
Da infância à vida religiosa: de Heitor a Henrique
Em 1948, após dois anos de vacância, Dom Henrique Golland Trindade foi designado para o Bispado de Botucatu, trazendo consigo a experiência adquirida em sua missão pastoral na Bahia. Carregava o ideal de uma comunidade eclesial onde o laicato tivesse participação ativa, conforme o espírito da Ação Católica, além de valorizar a participação nas missas e o acolhimento aos mais frágeis. Esse propósito guiou seus primeiros anos de trabalho pastoral no noroeste de São Paulo.
Sua primeira carta pastoral em Botucatu, intitulada *Não nos iludamos e trabalhemos*, revela esse compromisso. Dom Henrique faz observações sinceras e provocativas sobre a situação da Igreja local, que refletem, em parte, um diagnóstico da realidade brasileira. Ele critica o valor excessivo dado a eventos eclesiásticos em grande escala — procissões, missas, batismos, comunhões gerais —, que, embora numerosos, dizem pouco sobre a profundidade da fé vivida.
Para transformar essa realidade, o bispo propôs formar o povo por meio do catecismo, da imprensa católica, dos retiros, missões e sacramentos. Enfatizou a importância da participação ativa na Eucaristia, com missas dialogadas e a observância do domingo como dia sagrado, tema de uma carta pastoral posterior. Também reafirmou a necessidade de zelar pela moralidade e de expandir as obras caritativas, incentivando a Juventude Operária Católica (JOC) e os Círculos Operários em toda a diocese.
Embora as propostas não avançassem muito em relação ao que já havia feito em Bonfim, Dom Henrique continuou aplicando a mesma visão pastoral, alinhada com as diretrizes do papado e o modelo romanizador da Igreja. Em Botucatu, contudo, ele deu especial atenção aos movimentos bíblicos, litúrgicos e de assistência social, ajustando-se gradualmente às mudanças da Igreja ao longo dos anos que antecederam o Concílio Vaticano II.
Na década de 1950, quando a Igreja Católica no Brasil começou a enfrentar questões sociais, como a reforma agrária, a diocese de Botucatu também foi afetada. A carta pastoral de Dom Inocêncio Engelke, co-ordenante de Dom Henrique, foi influente nesse processo, inspirando bispos como Dom Henrique a promover um apostolado social. Ele foi pioneiro na renovação da pastoral rural, incentivando o clero, as religiosas e os leigos a se dedicarem à Ação Católica em apoio às comunidades rurais.
Em 1958, durante o cinquentenário da Diocese de Botucatu, Dom Henrique publicou a carta pastoral *A Diocese somos nós, são as almas*, que trouxe uma nova perspectiva litúrgica e enfatizou uma dimensão cristocêntrica da fé. Ele destacou a missa como encontro comunitário em Cristo e defendeu que as práticas devocionais fossem auxiliares da fé em Cristo. No aspecto eclesiológico, sob influência da encíclica *Mediator Dei*, reiterou a responsabilidade da hierarquia eclesiástica na condução da Igreja, delegando ao laicato um papel de suporte.
Um ano após essa carta, João XXIII anunciou o Concílio Vaticano II, e Dom Henrique, como arcebispo de Botucatu, participou da Assembleia Conciliar. Em seu Votum para o Concílio, propôs uma Igreja humilde, firme em seus princípios e testemunha de caridade. Durante o Concílio, ele fez cinco intervenções, abordando temas como vestes litúrgicas, eclesiologia, ecumenismo e a missão social da Igreja, defendendo uma Igreja que fosse pobre e servidora.
Após o Concílio, já debilitado em sua saúde, Dom Henrique renunciou ao arcebispado em 1968, sendo sucedido por Dom Marchetti Zioni Filho, de Bauru. Sua nomeação, no entanto, gerou oposição e resultou em uma divisão no clero de Botucatu, com a saída de diversos padres e a nomeação de um administrador diocesano. Em 1969, Dom Zioni assumiu o arcebispado em meio a essa transição, imprimindo novas direções pastorais.
Cinco anos após sua renúncia, Dom Henrique faleceu em 6 de novembro de 1974, aos 77 anos, no Convento das Irmãs Servas do Senhor, devido a uma esclerose múltipla. Foi sepultado na catedral de Sant’Ana, que ele remodelou e dedicou. Sua vida e legado refletem um alto nível cultural, profunda atenção à liturgia, zelo franciscano pelos pobres e o ideal de uma Igreja pobre, manifestados tanto em seus textos quanto em suas ações.