Há 40 anos, Paulo Maluf atacava manifestantes na UNESP de Botucatu

Botucatu, São Paulo, maio de 1981. Há quarenta anos, o então governador do estado de São Paulo, Paulo Maluf, visitava as instalações da Unesp para uma solenidade. Enquanto ocorria o evento, diversos cidadãos realizavam uma manifestação em defesa do ensino público do lado de fora. O governador reagiu e houve invasão do campus pelo batalhão de choque.

Para compreender todas as causas do ocorrido, precisamos recapitular a cronologia dos envolvidos.

O histórico

A Faculdade de Ciências Médicas e Biológicas de Botucatu (FCMBB) foi estabelecida em Botucatu no ano de 1963, um ano antes do golpe de Estado que instaurou a Ditadura Civil-Militar no Brasil.

Alocada em um sanatório para tratamento de tuberculose, no distrito de Rubião Júnior, oferecia os cursos de medicina, agronomia, medicina veterinária e ciências biológicas.

Em 1975, o projeto de criação da UNESP foi enviado à Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo. Em março de 1976, com a posse de seu primeiro reitor, Professor Luiz Ferreira Martins, a Universidade Estadual Paulista foi criada.

Suas políticas internas eram originadas e pautadas sob o conservadorismo, dificultando e até impossibilitando a contratação de jovens professores, que muitas vezes faziam parte de militâncias religiosas, partidárias e sociais opositores ao regime ditatorial da época.

“A organização política da Unesp, em seus tempos de Ditadura, viria a reproduzir a peculiar forma de organização política latino-americana denominada ‘poder oligárquico’”, diz Antonio Luiz Caldas Junior, Docente do Departamento de Saúde Pública, da Faculdade de Medicina de Botucatu, em seu artigo “UNESP e ditadura militar: tragédia e farsa”.

O sinergismo ditatorial era tanto que, em 1977, o campus chegou a ser invadido por forças policiais a pedido dos próprios dirigentes da universidade, quando alunos da graduação ocuparam algumas das salas utilizadas pela diretoria. O episódio poderia ter sido trágico, caso os professores e diretores não interviessem na situação.

Em 1979, Paulo Salim Maluf tornou-se governador do Estado de São Paulo, sucedendo Paulo Egydio Martins. Em seu governo, deu-se início ao que hoje chamamos de “malufismo”. Segundo a Folha de São Paulo, trata-se de uma corrente política conservadora e, na época, apoiadora do Governo Militar. Muito influente em vários meios, sua base social é formada por pessoas de classe média, como trabalhadores autônomos e pequenos empresários.

Duas semanas após sua posse, enfrentou sua primeira greve do funcionalismo público: a  “70% + 2000” reivindicava o reajuste salarial de 70%, acrescido de um valor fixo de dois mil cruzeiros mensais, para todos os funcionários públicos do Estado de São Paulo.

“A greve de 1979, dos ‘70% + 2000’, apesar de alguns tropeços, consolidou a organização dos servidores técnico-administrativos e docentes da Unesp e suas entidades locais e gerais, preparando-as para novos passos na luta contra o autoritarismo e pelo fim da Ditadura”, diz Caldas em seu artigo.

O governo Paulo Maluf acabou estabelecendo uma relação íntima com a UNESP, já que seu modo autoritário de governo se alinhava com a gestão da Universidade, resultando em um incentivo ainda maior para a continuidade de uma gestão conservadora e sem espaço para democratização.

O fato

Em maio de 1981, Maluf visitou a UNESP de Botucatu para participar de uma solenidade de entrega de equipamentos de um convênio do governo brasileiro com a República Democrática da Alemanha (também conhecida como Alemanha Oriental). Durante o evento, do lado de fora, estudantes realizavam uma grande manifestação em defesa do ensino público gratuito, com músicas e gritos de ordem.

Ao fim do evento, o chefe de segurança do governador recomendou que ele saísse por uma porta lateral para evitar os tumultos, o que foi negado por Maluf. A partir desse momento, seu grupo de seguranças, vestidos à paisana, se infiltraram em meio a multidão de estudantes, espancando e afugentando-os, o que os fez contra-atacar com torrões de terra encontrados no chão do local.

A notícia tomou proporções de âmbito nacional, tomando as páginas e capas dos jornais brasileiros, após constatações de que os “seguranças” da guarda pessoal de Maluf eram, na verdade, paramilitares envolvidos em uma ação repressiva ocorrida no bairro paulistano Freguesia do Ó. Em entrevista da época, Maluf disse: “Gosto muito de Botucatu, mas fui vítima de uma ingratidão na Unesp. Fui lá entregar uns microscópios e me receberam a pedradas”.

A data é incerta: se foi dia 21 ou 22 de maio, não sabemos. O certo é que a visita de Maluf, as manifestações e as consequentes agressões foram um marco da história da Unesp de Botucatu. Se houve algo de positivo nessa história, foi a demonstração de resistência da população de Botucatu contra o regime vigente – e que estimulou várias outras manifestações na nossa cidade.

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10 Replies to “Há 40 anos, Paulo Maluf atacava manifestantes na UNESP de Botucatu”

  1. Me lembro muito bem desse dia, estava lá e pude observar os fatos aqui narrados.
    Parabéns ao jornal Audácia em buscar essa história

  2. Estava lá,o barulho que faziam é inesquecível,quebravam nossos pirulitos é com eles atacavam para escapar tomamos ribanceira abaixo em cima de pedregulhos é da mesma forma que caimosvoltamos cantando o hino nacional.

  3. Estava presente neste fatídico dia! Era maciça e predominante a presença de estudantes do Campus e da cidade de Botucatu. Arrisco afirmar que o enfrentamento se deveu principalmente a classe estudantil, bastante politizada à época.

  4. Eu também estava presente neste dia. Era calouro da XIX° Turma de medicina e me lembro bem da minha indignação quando vi a reportagem no jornal nacional. As imagens eram do Paulo Maluf acenando para a multidão de manifestantes, porém cortaram o som dos xingamentos e parecia que todos o estavam saudando efusivamente como se fosse um homenageado. Conclusão; Fake news já existia na época.

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