(Foto: Câmara Municipal de Botucatu)

“A invisibilidade do trabalho de cuidado realizado pela mulher no Brasil”, por Isabel Conte

O tema da redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2023 é: “Desafios para o enfrentamento da invisibilidade do trabalho de cuidado realizado pela mulher no Brasil”. A pauta foi avaliada por professores de cursinhos como “interessante”, “pertinente” e “a cara” do Enem por tratar de um problema social relevante e exigir uma boa proposta de intervenção.

O desafio da invisibilidade dos cuidados se refere a uma questão social e muitas vezes pessoal relacionada ao trabalho não remunerado de cuidar de outras pessoas, em especial nas esferas doméstica e familiar. Muitas vezes, o trabalho de cuidado, como cuidar de crianças, idosos, pessoas doentes ou pessoas com deficiência, é visto como algo natural e não remunerado, o que leva à sua desvalorização, tornando-o invisível em termos de reconhecimento e compensação financeira.

Essa invisibilidade é um problema que afeta principalmente as mulheres, embora não exclusivamente. Isso pode limitar suas oportunidades de educação, emprego e avanço na carreira, contribuindo para desigualdades de gênero. Além de que muitas mulheres, principalmente as menos favorecidas, acumulam essa tarefa do cuidado de forma que se torna uma segunda ou terceira jornada diária de trabalho. Esta sobrecarga de trabalho pode causar uma piora na qualidade de vida da cuidadora e também do ente que necessita dos cuidados, na maioria das vezes um familiar querido.

No entanto, nas últimas décadas, observa-se a emergência de novas tendências nas identidades femininas, com maior valorização da independência econômica e da autonomia das mulheres. Em consequência, a inserção das mulheres no mercado de trabalho, que sempre existiu, vem crescendo a aproximadamente três décadas e estabelecendo-se como um novo referencial cultural de feminilidade.

Para a estrutura familiar, a consequência é a ruptura do contrato tradicional de um homem provedor e uma mulher cuidadora, fortalecendo-se o modelo de dois provedores. Contudo, os estudos sobre o uso do tempo indicam que os homens não assumiram de forma correspondente a responsabilidade e o desempenho de tarefas domésticas e de cuidados: em média, eles dedicam 10,5 horas semanais a tais afazeres, menos da metade do tempo dedicado pelas mulheres (26,6 horas/semana).

Como consequência, forja-se um novo padrão desigual de divisão do trabalho, no qual as mulheres devem conciliar trabalho remunerado para o mercado e o trabalho doméstico não remunerado, enquanto os homens dedicam-se majoritariamente ao trabalho remunerado. Assim, a identidade masculina parece continuar a se reproduzir com fundamento na distância dos homens dos afazeres domésticos, que contribui para a mercantilização do cuidado.

Muitos países, sendo o Brasil um deles, não têm políticas adequadas de apoio àqueles que desempenham o trabalho de cuidado não remunerado. A falta de creches acessíveis, licença parental remunerada e outros benefícios torna o trabalho de cuidado mais difícil e invisível, sendo necessário que haja políticas de apoio. Além disso, a sobrecarga de cuidados não remunerados pode ter sérios impactos na saúde física e mental das pessoas responsáveis, tornando o desafio ainda mais significativo.

Para transpormos o desafio da invisibilidade dos cuidados, é importante reconhecer o valor do trabalho de cuidado, promover políticas que apoiem os cuidadores, e incentivar uma divisão mais igualitária das responsabilidades de cuidado entre os gêneros. Isso não apenas reduziria as desigualdades de gênero, mas também contribuiria para uma sociedade mais justa e equitativa.

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