(Foto: Mateus Conte/Jornal Audácia)

“A desconstrução do machismo na eliminação da violência contra as mulheres”, por Isabel Conte

Desde que nascemos, somos impostos a nos enquadrarmos em determinados conceitos e pré-conceitos a partir do nosso sexo. Desde muito cedo, somos ensinados culturalmente que homens fazem determinadas coisas e possuem determinados gostos, enquanto as mulheres devem praticar e ter preferência por valores e características que são próprias a elas.

Se somos homens, devemos nos impor, falar alto e grosso, não podemos chorar, devemos brincar de luta, vencer as brigas verdadeiras e nos prepararmos para ser patriarcas de nossas famílias. Por outro lado, se nascemos mulheres, devemos ser sensíveis e delicadas, aprender desde cedo a executar responsabilidades domésticas e, caminhar rumo a atingir uma figura completa de boa esposa e boa mãe.

Essa dualidade de gênero tem como referência abstrata um casal de homem e mulher, no qual o primeiro seria o provedor da família, cuja principal responsabilidade é o trabalho, e a segunda seria a dona de casa, cujas principais atribuições são manter a casa em ordem e cuidar dos bebês ou outras crianças. A figura masculina, portanto, se associa à ideia de produção e ao espaço público, enquanto a feminina se relaciona com a reprodução e o espaço privado.

É importante ressaltar que a construção desses padrões de gênero durante a infância é feita de maneira inconsciente na maioria dos casos. Aos homens, sobretudo os de cor branca, são reservados os espaços de poder, as representações públicas, a preferência por assumir determinada vaga de trabalho e as maiores remunerações, mesmo quando exercem as mesmas funções que as mulheres. No campo comportamental, tais privilégios constituem um modelo de masculinidade em que se é permitido, e até esperado, falar mais alto com as mulheres, desmerecer suas opiniões, assediá-las sexualmente, menosprezar sua presença na convivência social, etc.

O machismo não é causador de danos apenas para as mulheres, mas também para o próprio homem. Na sociedade machista, o homem é condicionado a não demonstrar nenhum tipo de fragilidade ou sentimento, pois estas são características ligadas às mulheres. Além disso, a ausência de autocuidados e a negligência com a saúde física e mental presentes nos padrões machistas contribuem para a alta taxa de mortalidade masculina.

Um estudo recente da Organização Pan-Americana de Saúde aponta que os homens vivem cerca de 5,8 anos a menos que as mulheres devido a comportamentos relacionados às expectativas sociais de seu gênero. Além disso, eles evitam lidar com seus conflitos pessoais, e então, procuram se esconder atrás de seu imaginário másculo.

Como podemos mudar essa construção social? É preciso compreender que entrar em contato com as suas vulnerabilidades e falar abertamente sobre elas não o torna menos homem, pelo contrário: ajuda com que ele não precise externá-las através de padrões comportamentais inadequados, como a violência ou dependências químicas.

Assumir essa condição faz com que o homem abandone sua posição de superioridade e, então, inicie seu processo de desconstrução do machismo e construção de uma masculinidade saudável. Este caminho deve ser percorrido diariamente, por meio de autoavaliações de posturas e condutas adotadas em interações sociais, além de promover debates em grupos de homens.

A construção de masculinidades que promovam a equidade de gênero, portanto, é um importante esforço cotidiano e institucional que tem relevante impacto na prevenção e no enfrentamento à violência contra a mulher.

Um requisito para que isso aconteça é o acesso à educação, uma garantia disposta no Estatuto da Criança e do Adolescente. É necessário ressaltar que esse direito se articula com as demais garantias a crianças e adolescentes: também é dever do Estado assegurar atendimento no ensino fundamental por meio de programas de alimentação e assistência à saúde, por exemplo. Logo, os direitos à saúde e à alimentação, por determinação legal, possuem interdependência com o direito à educação, e vice-versa. No que se refere ao enfrentamento à violência, o ECA continua sendo a norma-base que expressa o papel da escola. É seu dever, por meio de dirigentes, responsáveis e professores, a comunicação e a notificação ao Conselho Tutelar de casos de suspeita ou confirmação de maus-tratos contra alunos, estando sujeitos à responsabilização os agentes que descumprirem a determinação legal. Portanto, o direito à educação funciona como se fosse uma porta para acesso a demais direitos, ao passo que a evasão e o abandono escolar têm como causa, muitas vezes, a submissão de crianças e adolescentes à prática da violência.  Por tais razões, sem dúvidas a escola é uma instituição que compõe e possui relevantes atribuições na rede de proteção à infância e à adolescência.

No dia 10 de junho de 2021, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional foi alterada para incluir conteúdo sobre a prevenção da violência contra a mulher nos currículos da educação básica e instituir a Semana Escolar de Combate á Violência contra a Mulher. Com a alteração do texto, além dos conteúdos relacionados aos direitos humanos e à prevenção de violência contra a criança e ao adolescente, agora a LDB contempla também como temas transversais conteúdos relacionados à prevenção de todas as formas de violência contra a mulher. Nesse sentido, o combate à violência contra a mulher agora se constitui como um assunto a ser contemplado e discutido em sala de aula, em favor da luta contra o feminicídio.

O ambiente escolar, depois do familiar, é o espaço onde ocorrem as primeiras disputas ideológicas, até mesmo inconscientemente. Nesse sentido, a educação se torna um importante fator de transformação para mudar os comportamentos machistas perpetuados de geração em geração os quais geram a maioria das violências contra as mulheres e, por isso, é fundamental que todas as crianças e adolescentes tenham pleno acesso à educação: para que, pouco a pouco, a conscientização sobre a violência e o seu combate seja adquirida cada vez mais cedo.

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