A Unesp e a Volkswagen do Brasil firmaram, neste trimestre, um acordo para o desenvolvimento de pesquisas e experimentos para a inclusão de fibras naturais na confecção das peças que formam o acabamento interno dos veículos produzidos pela montadora.
A ideia é que algumas partes dos carros que hoje são fabricadas com plásticos, como o painel, forros ou acabamento interno das portas, passem a incluir fibras naturais em sua composição, mitigando a pegada de carbono no processo produtivo da montadora, reduzindo o peso do veículo e permitindo a reciclagem integral dessas peças.
O contrato prevê a remuneração de 430 mil reais por 18 meses de pesquisas e a transferência tecnológica para a montadora ou seus fornecedores, que poderão incluir a metodologia de fabricação do novo material na linha de produção dos veículos.
Representantes da Volks afirmam que a adoção da tecnologia reduz a emissão de carbono no processo produtivo da fabricante automotiva, uma ação que está em linha com os objetivos da empresa de zerar as emissões de CO2 até 2050.
“A substituição dos componentes minerais por outros naturais permitirá reduzir cerca de 80% das emissões de carbono no processo produtivo. Além disso, o peso das peças plásticas do veículo diminuirá em aproximadamente 10%, o que significa também redução na quantidade de CO2 emitido na atmosfera”, destaca Pablo Di Si, chairman executivo da Volkswagen América Latina.
O desenvolvimento das pesquisas e a realização de experimentos ficarão a cargo do RESIDUALL – Laboratório de Bioprocessos e Biotecnologia da Faculdade de Ciências Agrárias (FCA) da Unesp, no câmpus de Botucatu, sob a coordenação do professor Alcides Lopes Leão.
Uma das principais linhas de pesquisa do grupo envolve a criação, em escala piloto, de novos compósitos. De forma simplificada, os compósitos são produtos formados por dois materiais com diferentes características que, quando unidos, apresentam um terceiro perfil físico-químico, distinto dos anteriores. “Eu digo que o compósito é 1 + 1 = 3”, sintetiza Leão.
O foco do grupo nessa parceria com a montadora de veículos, entretanto, está no estudo de compósitos que incluam em sua formulação fibras naturais. O pesquisador afirma já ter estudado mais de uma centena de tipos de fibras no laboratório, oriundas tanto do Brasil quanto da América Latina e Caribe, além de Alemanha, Nova Zelândia e Austrália.
Para a demanda estabelecida pelo acordo com a Volkswagen, o grupo deve orientar os estudos principalmente para o sisal, planta muito usada como matéria-prima de cordas e barbantes; a juta, conhecida por seu uso na sacaria e na indústria têxtil; e a fibra do coco, obtida principalmente a partir de resíduos da fruta.
O acordo entre Unesp e Volkswagen prevê a substituição de um conjunto de peças de acabamento interno que hoje são fabricadas com plástico ou fibra de vidro. Leão diz que as peças incluídas no projeto inicial do acordo somam aproximadamente sete quilos de peso. “Eu calculo, em uma conta conservadora, que é possível ir além e alcançar a substituição de até 30 quilos por veículo”, diz.
Concluída essa primeira fase de pesquisa e experimentos, que terá duração de 18 meses, a montadora irá avaliar a forma e a metodologia como essa tecnologia será incorporada à linha de produção. O mais provável é que a transferência de tecnologia ocorra para alguma empresa fornecedora da montadora.
“O ganho para a companhia é fabricar um carro com menor pegada de carbono na sua produção, mais leve e, portanto, com menor consumo de combustível, com peças renováveis, e com impacto social positivo, uma vez que boa parte dessas fibras são produzidas em áreas economicamente deprimidas”, explica Leão.
Num momento em que a população mundial começa a lidar com as consequências diretas das alterações no clima, tecnologias que colaboram na redução da emissão de carbono na atmosfera se tornam cada vez mais urgentes. Por isso, a perspectiva é que haja um crescimento no interesse pela temática.
“O carbono usado no nosso material estava antes em uma planta. Portanto, ele esteve em circulação na atmosfera e foi fixado no solo pela planta. É diferente do petróleo, que é a base para produção do plástico, porque o carbono do petróleo foi retirado do solo. O grande problema da mudança climática é que o carbono que tiramos debaixo da terra não estava contabilizado”, diz Leão.
Ainda que a preocupação climática represente uma tendência necessária, as vantagens que a tecnologia oferece vão além dos benefícios ambientais. “As nossas fibras podem prevalecer sobre outros materiais porque são boas. É importante unir a questão técnica com a demanda ambiental. Mas sempre lutei para que seu uso fosse adotado pelas vantagens e qualidades técnicas que as fibras possuem”, conclui o docente.
com informações do Jornal da UNESP (editado pelo Jornal Audácia)