(Imagem: Reprodução/FolhaPress)

Há 35 anos, goleiro João Marcos conquistava seu último título como profissional

“O Grêmio é campeão gaúcho de 1986, e com isso, tem o título de bicampeão 85/86”. Com essas palavras, o narrador Celestino Valenzuela marcaria aquele que seria o último título do goleiro João Marcos no futebol profissional.

Nascido em 1º de julho de 1953, na cidade de Botucatu, João Marcos Coelho da Silva não foi titular naquelas duas campanhas, mas marcou presença no bicampeonato tal como marcou em vários clubes do futebol brasileiro.

Sem muitas chances de jogar no Guarani, onde iniciou sua carreira em 1972, o goleiro foi emprestado ao São Bento, de Sorocaba. Na equipe, o goleiro ganhou o apelido de “João do Pênalti” – em alusão ao atleta João do Pulo – após defender quatro cobranças em um intervalo de dez dias.

Os primeiros clubes


João Marcos durante sua passagem pelo Palmeiras (Imagem: Reprodução/Trivela)

De volta ao Guarani, o botucatuense deixou Campinas para se tornar ídolo no Esporte Clube Noroeste, o Norusca de Bauru. No clube, recebeu o novo apelido “São João Marcos” e conquistou a titularidade da meta alvirrubra na única vez que o time disputou a primeira divisão do Campeonato Brasileiro, em 1978. Por suas atuações na equipe, João Marcos chamou a atenção do Palmeiras, que o contratou logo no ano seguinte.

Ainda sem um goleiro constante após a saída de Emerson Leão e sem conseguir apresentar um bom futebol após a aposentadoria de Ademir da Guia, o Verdão passou por um jejum que perdurou até 1993. Essa má fase da equipe não permitiu que João Marcos conquistasse títulos pelo clube alviverde, ainda que o goleiro tivesse atuações sólidas durante os quatro anos que passou por lá: em 1981, participou do acesso do Verdão da Taça de Prata para a Taça de Ouro, consideradas a segunda e primeira divisões da época.

Foi em Porto Alegre que João Marcos viveu a melhor fase de sua carreira. Após vencer a Libertadores de 1983, o Grêmio pagou 90 milhões de cruzeiros ao Palmeiras para contar com João Marcos em sua equipe. No ano seguinte, o goleiro foi titular absoluto do Tricolor Gaúcho, chegando à final da Copa Libertadores de 1984. Porém, ainda não seria naquele momento que levantaria sua primeira taça.

As ótimas atuações de João Marcos pelo clube fizeram brilhar os olhos de Carlos Alberto Parreira, que o convocou para uma excursão da Seleção Brasileira pela Europa. O atleta também fez parte da equipe que disputou a Copa América no mesmo ano. No total, João Marcos foi chamado em quinze convocações e uma partida jogada: vitória sobre o Uruguai por 1×0, em Curitiba.

Os primeiros títulos


João Marcos enquanto jogou no Grêmio (Imagem: Reprodução/Rádio Guaíba)

Em 1985, manteve seu bom futebol, mas acabou perdendo espaço com o retorno do goleiro Mazarópi, que estava emprestado ao Náutico de Pernambuco. E quis o destino que seria no banco de reservas que João Marcos conquistaria os primeiros títulos de sua carreira.

Neste ano, o Grêmio venceu o campeonato gaúcho em uma final contra o arquirrival Internacional, com gols de Paulo Bonamigo e Caio Júnior para o Tricolor e Tita pelo Colorado. Ainda que no banco, João Marcos conquistava seu primeiro título na carreira, aos 32 anos.

No ano seguinte, o bom momento de Mazarópi manteve João Marcos como “reserva de luxo” do clube: ainda que estivesse no banco, seu nome ainda era cotado para uma convocação para a Copa de 1986. Mais uma vez, o Grêmio vencia o Gauchão em casa, frente ao Internacional, no dia 20 de julho de 1986. Nesta semana, a última conquista da carreira do goleiro botucatuense completou 35 anos.

Estes poderiam ser os primeiros de muitos títulos da trajetória de João Marcos, mas seu corpo impediu. O goleiro, que já carregava lesões no ombro e braço esquerdos desde os tempos de Palmeiras, teve seu fim derradeiro durante um Grenal. Em uma trombada dentro da área, seu ombro saiu do lugar, João soltou a bola e o centroavante Kita marcou o gol do Internacional. “Ali eu decidi parar de jogar futebol”, disse João Marcos.

João tentou retomar sua carreira em 1986, após operar o ombro machucado. No Novorizontino, ficou por apenas dois meses e atuou em quatro partidas. Em uma derrota para o XV de Jaú, a torcida de Novo Horizonte se revoltou contra todo o elenco. Com toda essa pressão do clube e dos torcedores, mais uma vez João Marcos resolveu encerrar precocemente sua carreira.

Os primeiros tropeços


João Marcos após o fim de carreira (Imagem: Reprodução/Blog do Norusca)

Hoje, é impossível falar de João Marcos sem citar sua dura queda e, logo em seguida, de sua apoteótica redenção. O dinheiro conquistado no futebol permitiu ao goleiro comprar duas fazendas e investir em uma loja de materiais agrícolas, mas sua aposentadoria precoce e a falta de sorte nos negócios o levaram ao alcoolismo e à depressão.

Começou com doses diárias de cachaça. Não demorou para partir para o uísque e, em pouco tempo, já bebia meia garrafa por dia. João Marcos voltou à cidade de Botucatu, onde seus problemas se intensificaram. O goleiro se afastou de sua família, abriu mão de seus bens e chegou a cogitar o suicídio.

Foi neste momento em que o goleiro, contando com a ajuda dos poucos amigos que restaram, entendeu que seria necessária uma mudança de vida. Desse modo, resolveu voluntariamente se internar em uma clínica para dependentes químicos no ano de 2010.

Segundo ele, a religião foi muito importante para dar a volta por cima. “Acreditei que Deus me daria força para eu poder mudar o final da minha história”, disse em entrevista à Folha de São Paulo.

Os primeiros jovens alunos


(Imagem: Reprodução/FolhaPress)

Durante a fase final de sua reabilitação, João Marcos passou a trabalhar em uma ONG e em projetos sociais para ajudar crianças carentes através de seus ensinamentos. Essa experiência o fez criar a Associação Gol Solidário, que busca tirar crianças das ruas e do caminho das drogas por meio do esporte e revelar jovens talentos para o futebol brasileiro.

“Tem muitos garotos que pedem para me chamar de pai. Muitas mães me ligam pedindo para aconselhar seus filhos que treinam comigo. Isso é muito gratificante”, disse, emocionado, à FSP. “Não quero saber de jogar para trás, aqui não tem caranguejo. Futebol se joga para frente”, dizia aos alunos de 11 a 15 anos.

Seus últimos lances

O goleiro sempre manteve contato com ex-atletas e jornalistas esportivos, em especial com Emerson Leão. “Somos muito amigos. Fomos companheiros de seleção brasileira”. Com prefácio de Milton Neves, o ex-jogador lançou a biografia “A maior de todas as defesas”, de autoria do jornalista botucatuense Érick Facioli. 

João Marcos Coelho da Silva faleceu no dia 2 de abril de 2020, aos 66 anos, após complicações de um problema no esôfago. O goleiro, um dos melhores de sua geração, sempre viverá na história dos clubes onde passou, na cidade onde que nasceu e nos corações de quem o conhecia.

Além de sua presença em campo em grandes clubes brasileiros, João Marcos virou um símbolo da luta e da vitória contra o álcool. Em entrevistas, ele dizia: “Fundo do poço é uma coisa que pode não existir, pois se você não reage, o poço não vai ter fundo e você vai continuar caindo. Eu caí muito, mas consegui reagir”.

Se você se encontra em problemas com o álcool, reaja. Entre em contato com o Alcoólicos Anônimos de Botucatu pelo site www.aa-botucatu.com ou com o ambulatório de psiquiatria da UNESP pelo telefone (14) 3811-6368, que estão à disposição para te ajudar.

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